Como a famosa camisa amarela do Brasil se politizou. Se você usa a icônica camisa do Canarinho, você está de extrema direita?

No final de setembro, com as eleições se aproximando no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro deu um golpe. O capitão do futebol brasileiro Neymar Jr., que apareceu em um vídeo do tik tok, dublou o jingle da campanha do líder de extrema-direita e também mostrou ‘dois’ e ‘dois’ com os dedos, o número do bilhete do titular. O consolo para a oposição, partidária do Partido dos Trabalhadores de esquerda, liderado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi que Neymar não estava vestindo a famosa camisa amarela e verde da seleção. Desde que Bolsonaro chegou ao poder em 2018, o Partido Liberal se apropriou da camisa. Tanto que usá-lo em público é visto como apoio a Bolsonaro.

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Quando o novo kit foi lançado para a Copa do Mundo em agosto, a camisa azul teria esgotado em poucos minutos, enquanto o icônico Canarinho ainda estava disponível. Na época, era visto como um indício de que Lula da Silva estava avançando na corrida presidencial. No entanto, as eleições de 2 de outubro não resultaram em um mandato decisivo e os brasileiros terão que votar novamente. “Nós vamos ganhar essas eleições, isso para nós é apenas hora extra”, disse Lula usando uma analogia com o futebol. A camisa amarela e verde uniu os 200 milhões de brasileiros, mas não mais.

Em 2016, durante manifestações no país pedindo o impeachment da então presidente Dilma Rousseff, ativista de esquerda e filiada ao Partido dos Trabalhadores, a maioria dos manifestantes vestiu a camisa brasileira. Uma vez que Bolsonaro chegou ao poder, seus partidários usaram o Canarinho para expressar seu apoio, enquanto as bandeiras amarela e verde do Brasil foram exibidas em varandas e janelas como uma demonstração de apoio. Bolsonaro não deixou pedra sobre pedra ao vestir a famosa camisa para construir sua conexão com o futebol e seu estilo de política. Quando visitou o então presidente dos EUA, Donald Trump, em 2019, Bolsonaro o presenteou com uma camisa brasileira. A nação está tão dividida que, durante a Copa do Mundo de 2018, os torcedores de esquerda usaram camisas vermelhas para se distanciar do partido no poder. Bolsonaro enfrenta críticas por lidar mal com a pandemia de covid e a degradação da cobertura florestal amazônica, mas os primeiros resultados mostram que ele ainda é popular.

Neymar respondeu às críticas, postando no Twitter: “Eles falam de democracia e muitas coisas, mas quando alguém tem uma opinião diferente, são atacados pelas mesmas pessoas que falam de democracia”.

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Há duas correntes de pensamento entre os que se opõem a Bolsonaro: tentar trazer de volta as cores brasileiras da extrema direita, ou voltar às camisas brancas de colarinho azul e calção branco que a seleção brasileira vestiu até 1950. A derrota por 1 a 2 para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950, no Maracanã, provocou luto nacional e um apelo à mudança de cores, pois acreditava-se que branco e azul traziam sorte. Três anos depois, o jornal Correio da Manha abriu concurso para o desenho do novo uniforme da equipe. A única regra era que as cores a serem utilizadas fossem as da bandeira brasileira: amarelo, azul, verde e branco.

Das mais de 400 inscrições, foi escolhida a de Aldyr García Schlee, ilustrador de jornal. Schlee havia enviado um esboço de uma camiseta amarela com gola verde e meias brancas. Os jogadores brasileiros usaram esse uniforme na Copa do Mundo de 1954 na Suíça e, embora tenham sido eliminados nas quartas de final, conquistaram títulos consecutivos em 1958 e 1962.

A BBC informou que os craques de Lula usaram a camisa brasileira para trazer de volta as cores. A cantora Ludmilla se apresentou de camiseta durante um show recente e pediu aos fãs que fizessem o sinal de ‘L’. Rapper Djonga disse durante show que vestir a camisa era sinal de ‘ato de protesto’

“Eles (os apoiadores de Bolsonaro) pensam que tudo é deles, se apropriam do significado de família, se apropriam do nosso hino nacional, se apropriam de tudo”, disse. “Mas esta é a verdade: tudo é nosso, nada é deles”, disse Djonga à BBC.

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Não é a primeira vez que política e futebol se entrelaçam no Brasil. Durante a ditadura militar que durou de 1964 a 1985, os governantes usaram o futebol para mostrar o progresso da nação. Quando o Brasil venceu a Copa do Mundo de 1970, Emílio Médici, o líder militar, aproveitou a vitória e a transformou em um exercício de relações públicas. Médici parabenizou os jogadores e concedeu-lhes substanciais prêmios em dinheiro. Após o fracasso do time em defender o título em 1974, o sucessor de Médici, Ernesto Geisel, decidiu que o jogo bonito de fluxo livre deveria ser abandonado em favor de um estilo mais físico e nomeou Claudio Coutinho, ex-capitão do exército, como gerente. Mas um terceiro lugar em 1978 acabou com os planos de Geisel e Coutinho. A equipe levou alguns anos para redescobrir seu futebol fluido.

Nessa época, o futebol no Brasil encontrou voz em Sócrates, quando o grande meio-campista e médico brasileiro fez campanha pela democracia no início dos anos 1980. Enquanto jogava pelo Corinthians, ele iniciou a Democracia Corinthiana, uma campanha baseada em jogadores contra a forma arbitrária como o clube foi executado. Os jogadores tinham o direito de votar em todas as decisões, mesmo contra a prática de os jogadores terem que ficar em salas isoladas um dia antes de um jogo. Os jogadores do Corinthians também tinham mensagens impressas nas costas pedindo que as pessoas votassem nas eleições e pedindo o retorno à democracia.

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